Levantamento “Raw” (Sem Equipamento) – Questões econômicas e sociais da perspectiva dos países pobres.

Novembro 2007
Fernando Canteli e Marilia Coutinho

Introdução

Levantamento “raw” (sem equipamento) versus equipado é um debate quente entre powerlifters. Tão quente que a defesa de um ou do outro se torna sectária, irracional e envenenada por acusações e desprezo. Vozes sóbrias de levantadores que conseguem apreciar (e freqüentemente competir em) ambas as modalidades, ou que escolhem uma ou outra por razões subjetivas, sem alegar sua superioridade, não são tão eloqüentes quanto os defensores emocionais.
Nós gostaríamos de apresentar uma visão alternativa do levantamento “raw” para a comunidade esportiva. Esta visão é fundamentada em argumentos políticos e sociais relativos ao desenvolvimento do powerlifting em países pobres, e também em nossa primeira experiência de acordo com essa linha de raciocínio. Equipamento suporte proporciona não apenas proteção contra lesões, mas também freqüentemente um “carry-over” considerável. Este “carry-over”, ou carga adicional levantada com o auxílio do equipamento, pode representar de 20% até 50% ou mais de vantagem para um levantador equipado. Baseados numa análise do custo relativo de diferentes equipamentos suporte comparado ao salário médio de um powerlifter brasileiro, concluímos que um conceito de levantamento “raw” que exclua apenas as roupas suporte é mais inclusivo do ponto de vista social.

Equipamento em Powerlifting
Uma breve visão sobre sua história e desenvolvimento.

O desenvolvimento de equipamento suporte no powerlifting é freqüentemente visto como parte de sua relação histórica com o levantamento Olímpico. Em 1973, o Comitê Nacional de Levantamento de Peso da AAU (American Athletic Union), que ainda regulamentava o powerlifting, baniu o que foi visto como um “abuso” de material suporte, naquela época basicamente calças (bermudas) e faixas. No ano seguinte, surgiu a IPF como primeira federação e o powerlifting tomou rumo próprio. Parte desse rumo envolveu grande desenvolvimento de equipamento suporte (“Powerlifting”, VLS).
Demorou algum tempo, no entanto, para que um mercado reconhecível de equipamento suporte tomasse forma. O primeiro equipamento patenteado para powerlifting apareceu no início dos anos 1990’s. Apesar de faixas de punho, por exemplo, terem patentes industriais desde o início do século XX, o seu patenteamento para levantamento de peso data de 1990 (Walunga 1990); a primeira patente de camisa de supino foi solicitada em 1993 (Peters 1995); a primeira patente para macaquinho de agachamento foi solicitada em 1991 (Alaniz et al 1991, proprietários da Titan Support Systems).
A Inzer Advance Designs, Inc. foi fundada em 1989. As primeiras patentes da Inzer datam de 1996 e 1998. A Titan Support Systems, Inc. foi fundada em 1981. Demorou cerca de uma década desde a criação destas companhias até que esse mercado tomasse forma, como indicado pelo controle de propriedade intelectual de seus produtos.  
Roupas suporte e faixas especiais, na verdade, só se disseminaram no powerlifting nos anos 1990. Desde então, como em qualquer outro nicho especializado onde a inovação técnica se torna o motor das vendas e do desenvolvimento do mercado em si, o equipamento de powerlifting se tornou cada vez mais sofisticado em projeto e tecnologia.

Custo do Equipamento

Abaixo encontra-se uma tabela com os preços dos equipamentos suporte mais comuns no powerlifting, dos fabricantes mais conhecidos e reconhecidos, de acordo com as listagens disponibilizadas em seus websites dia 10 de Novembro de 2007.

 

Preços em Dólares Americanos

Empresa

Camisa de supino

Macaquinho de agachamento

Faixa de punho

Faixa de joelho

Cinto

Inzer Advanced Designs

De $38.00 a $225.00

De $42.00 a $325.00

De $12.50 a $17.00

De $16.50 a $22.00

De $39,95 a $140,00

Titan Support Systems

De $99,00 a $150,00

$150.00

De $12.95 a $17.00

$22.00

De $89,95 a $119,95

APT ProWristStraps

 

 

De $13,95 a $24.95

De $15.95 a $32.95

$37.95

Metal Sport and Wear

De $182,82 a $318,54

De $195 a $418 E

De $35 a $52.8 E

De $57 a $80.7

$201

Roupas suporte (camisa de supino e macaquinho) são em média uma ordem de grandeza mais caras do que faixas de punho ou joelho. Cintos são ligeiramente mais caros do que faixas. Dos cinco tipos de equipamento, considera-se que o que oferece o maior carry-over é a faixa de joelho (camisas de supino variam muito segundo modelo, corte e a técnica desenvolvida pelo levantador, levando de alguns meses a muitos anos para desenvolver o carry-over pleno para uma mesma camisa). Entre atletas e alguns fisioterapeutas mais familiarizados com powerlifting, a faixa de joelho também é considerada a mais relevante em termos de prevenção de lesões. O papel preventivo tanto da faixa de joelho como de punho foram revisadas em outros artigos (Coutinho 2007 a and b).
O papel do cinto na prevenção de lesões ainda é uma questão controversa na comunidade científica. Uma das razões para o desacordo é possivelmente a falta de comparabilidade entre os resultados devido a variações em metodologia e nas populações estudadas (Renfro & Ebben 2006). No entanto, é consenso entre atletas que o cinto tem um efetivo papel de proteção.
Apesar de nunca ter sido realizada uma pesquisa sobre o assunto, estimamos que a renda mensal média do powerlifter brasileiro está entre US$250.00 a US$600.00 (US$3000.00 a US$7200.00 de renda anual). O preço médio de uma peça de roupa suporte pode chegar a metade do salário de um levantador, enquanto uma faixa não excede 10% deste total. Uma simples reflexão sobre a relação custo-benefício indica que a permissão do uso de faixas e cintos em competições “raw” dificilmente impediria a participação e igualdade entre os participantes. Permitir roupas suporte, no entanto, automaticamente gera uma elite de levantadores equipados, com considerável vantagem sobre o resto.

Supino Raw no Brasil
Uma experiência piloto

A questão aqui se refere, então, às metas e estratégias envolvidas na organização de um certo evento. Considerando que quem toma decisões no esporte deve atender tanto às necessidades da alta performance quanto às do crescimento do esporte em si, as abordagens devem ser flexíveis e de acordo com o objetivo em questão. Num país como o Brasil, onde o powerlifting não tem tradição, recebe apoio insignificante do governo e da iniciativa privada, e é praticado principalmente por pessoas de segmentos mais pobres da sociedade, nós acreditamos que o levantamento raw (na versão que apenas exclui roupa suporte) tem um lugar especial. É o lugar reservado à democratização, à atração de novos atletas, à identificação de talentos, ou seja, às estratégias gerais envolvidas no crescimento do esporte.
Nós criamos um projeto piloto em pequena escala, que foi implementado em Santo André, cidade industrial da Grande São Paulo. O evento foi realizado na quadra de uma escola pública e os participantes eram predominantemente trabalhadores residentes da área. Tivemos 23 participantes (22 homens e uma mulher), divididos em seis categorias de peso para mulheres e sete para homens.
Criamos uma folha de regras bastante simplificada e um aviso de segurança que era lido por todos os participantes antes que assinassem um termo de acordo e se registrassem. A pesagem foi feita três horas antes do inicio do evento. Apesar da folha impressa, reunimos todos os participantes antes do início dos trabalhos e revisamos as regras. Também demonstramos itens (da execução do levantamento) que consideramos poder dar margem a dúvidas porque sabíamos que muitos destes indivíduos eram tímidos demais para admitir que não haviam entendido os termos do texto. Isso não levou mais que dez minutos.
A maior parte dos participantes nunca tinha participado de uma competição de supino antes, nem havia assistido uma pessoalmente ou por Internet. Nós consideramos que o evento foi fundamentalmente uma experiência de aprendizado (independente da idéia de que toda competição o é).
Os melhores resultados foram: até 80kg, mulheres, P. Candido, 70kg; até 60kg homens, R. Prata, 70kg; até 70kg homens, D. Avila, 110kg; até 80kg homens, D. Neves, 145kg; até 90kg homens, A. Borges, 150kg; até 100kg homens, M. Silva Fo., 160kg; acima de 100kg, homens, A. Correia, 155kg.
Fizemos questão de obter as impressões de todos os participantes e todos se declararam satisfeitos com a forma como o evento foi organizado e realizado. Especificamente, perguntamos se eles sentiram ter saído dele com um entendimento maior sobre o esporte do que antes de participar e a resposta foi positiva de maneira geral. Os participantes se mostraram muito conscientes dos erros cometidos e apontados por nós durante o evento, se deram conta da natureza estratégica das decisões de pedidas e outras questões envolvidas em campeonatos de powerlifting. Também nos perguntaram quando seria o próximo evento raw, uma vez que tinham intenção de participar novamente.
Como coordenadores, sentimos que a esta altura, eventos como este requerem mais apoio organizativo do que tínhamos preparado. Ser ao mesmo tempo organizadores e educadores impõe uma quantidade de trabalho adicional pequena, porém relevante para os coordenadores. Acreditamos que com o tempo e popularização deste tipo de evento, essa realidade pode mudar.

Impacto e Demanda

Assim que o evento terminou, fomos contatados por dois grupos interessados em organizar eventos semelhantes em duas outras cidades industriais no Estado de São Paulo. Praticamente não houve divulgação antes deste campeonato e esta é a primeira discussão pública da experiência (uma cópia deste artigo está sendo publicada em inglês também, no Powerlifting Watch www.powerliftingwatch.com ). Prevemos que a demanda pode crescer rapidamente nos próximos meses e estamos nos preparando para atendê-la. Nossa decisão é manter essa linha de eventos independente de federações por enquanto. Nós acreditamos que as guerras federativas do powerlifting apenas atrasariam o desenvolvimento destas iniciativas.

Considerações finais

Se nosso desejo é que o powerlifting cresça em países pobres, ajustes devem ser feitos para a realidade econômica dos atletas potenciais. Nós acreditamos firmemente que isso envolve expandir a organização de eventos raw de acordo com o conceito que apresentamos aqui, onde apenas as roupas suporte de alto custo sejam excluídas.
Como advertência, gostaríamos de enfatizar que os dois autores (e organizadores da iniciativa piloto) são levantadores equipados. A escolha, portanto, foi política, tanto para atender as necessidades do crescimento do powerlifting no Brasil, como para oferecer aos levantadores que não gostam de roupas suporte uma alternativa para competir em condições justas com outros atletas.

Referências Bibliográficas

Alaniz, I.P. & Alaniz P. M. February 19, 1991. Suit for Weight Lifters. United States Patent 5,046,194.

Coutinho, M. 2007. Knee-wrap carry-over. APT ProWristStraps Lifting Articles. http://www.prowriststraps.com/knee_wrap_carry_over_powerlifting_squat

Coutinho, M. 2007. The Wrist wrap as a protective and performance-enhancing device in powerlifting. APT ProWristStraps Lifting Articles. http://i.b5z.net/i/u/230085/i/wwcoutinho.pdf

Peters; Richard E. January 24, 1995  Benchpress shirt . United States Patent 5,383,235.

Renfro, G.J. & Ebben, W.P. 2006. Review of the Use of Lifting Belts. Strength and Conditioning Journal Volume 28, Number 1, pages 68–74.

Powerlifting, in “The Virtual Library of Sport” - http://sportsvl.com/rest/powerlifting.htm

Walunga, A.R. 1990. Patent: Combined workout glove and wrist wrap. Patent number: 4905321. Filing date: Apr 7, 1988. Issue date: Mar 6, 1990. Inventor: Allen R. Walunga. Assignee: Allen R. Walunga. Primary Examiner: Jeanette E. Chapman.

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