Marília
Coutinho
Agosto de 2006
Não existe muito consenso na literatura quanto ao resultado
que dietas com restrição de carboidrato possam ter
sobre a performance de força e potência. O principal
efeito potencialmente negativo da restrição de carboidrato
para atletas é a obstrução da reposição
dos estoques de glicogênio intra-muscular. Dietas com proporções
mais baixas de carboidrato resultam em deficiências na reposição
de glicogênio, se comparadas com dietas mais ricas neste nutriente.
Quase todos os estudos foram feitos para esportes de endurance. Burke
et al (1993) mostraram que dietas ricas em carboidratos de alto índice
glicêmico são mais eficientes do que dietas ricas em
carboidratos de baixo índice glicêmico na reposição
dos estoques de glicogênio em fundistas. Esse resultado contrasta
com aquele obtido cerca de dez anos antes por Costill et al (1981),
onde foi verificado que refeições contendo uma mistura
de carboidratos complexos (com mais baixo índice glicêmico)
resultava na mesma taxa de reposição de glicogênio
que refeições contendo carboidratos simples no período
de 24h, sendo que em 48h, as refeições com carboidrato
complexo eram superiores nesta reposição. O estudo
foi feito em corredores de longa distância.
Um estudo de Ivy et al (1988) com exercício de bicicleta mostrou
que doses muito diferentes de suplementação com polímeros
de glicose resultavam na mesma taxa de reposição de
glicogênio.
Além dos dados contraditórios sobre as doses de carboidrato
necessárias para a reposição dos estoques de
glicogênio, existem problemas relativos às evidências
quanto ao timing da suplementação de carboidrato para
esta finalidade. Alguns estudos mostram que não faz muita
diferença o momento da suplementação pós-esforço
de endurance (Parking et al 1997).
Pesquisas relacionadas a doses e timing de carboidrato nas refeições
e suplementação de carboidrato têm sido feitas
nos últimos 60 anos pelo consenso de que a reposição
e manutenção de bons estoques de glicogênio são
fundamentais à prática prolongada de exercício
intenso de endurance (Ivy 1991).
Até esse momento, o consenso era de que o principal suplemento
esportivo deveria consistir de carboidrato, uma vez que era este
nutriente que determinava a reposição de glicogênio.
Em 1992, Zawadski et al relataram evidências de que a suplementação
de carboidrato com proteína é superior à suplementação
apenas com carboidrato para a reposição dos estoques
de glicogênio. Em 2001, Jentjens et al mostraram evidência
contrárias a isso, alegando que acrescentar proteínas
ou aminoácidos a um suplemento de carboidratos não
teria efeito sobre a reposição de glicogênio.
Em 2002, o grupo de Ivy (Ivy et al 2002) reforçou as alegações
feitas por Zawadski et al dez anos antes.
Nesta década, boa parte das pesquisas realizadas sobre o efeito
da suplementação sobre a reposição dos
estoques de glicogênio se complexificou, envolvendo aspectos
hormonais e amino-ácidos específicos, creatina e outras
substâncias potencialmente ergogênicas.
Enquanto estas pesquisas focadas principalmente em esportes de endurance
caminhavam, a falta de consenso se ampliava no que diz respeito aos
esportes de força. Em 1989, Symons e Jacobs mostraram que
exercícios de alta intensidade não são afetados
pelos níveis baixos dos estoques de glicogênio. Tesch
(1988) mostrou que atletas de esportes de força, especialmente
basistas e levantadores olímpicos, possuem maior capacidade
de estoque de glicogênio, porém menor potencial oxidativo
de maneira geral. Roetert (1999) relatou evidências na literatura
quanto à falta de efeito que a depleção ou baixa
disponibilidade de carboidratos tem sobre a performance de força.
Leveritt e Abernethy (1999) mostraram que a restrição
de carboidratos na dieta afetava a performance em séries de
agachamento até falha de mais de 12 repetições,
mas não de exercícios isocinéticos de extensão
de pernas. Os autores especularam que possivelmente o teste com exercícios
isoinerciais (agachamento) mostre que esta forma de força
depende de uma atividade glicolítica mais intensa do que isocinética,
mais rápida e intensa. Esta última seria fundamentalmente
sustentada pela quebra de precursores fosforilados.
Finalmente, o estudo mais recente de todos, feito pelo grupo de Kraemer
(Hatfield et al 2006), demonstrou que o consumo de dietas mais altas
em carboidrato não afeta a performance de potência.
Sabe-se que potência e força máxima estão
bastante relacionadas e que, nos esportes de força particularmente,
dependem uma da outra.
Haff e Whitley (2002) revisaram a literatura no que diz respeito às
evidências acumuladas em relação ao papel da
composição glicídica da dieta de atletas de
força. A conclusão não é muito diferente
daquela que apresento aqui, ou seja: existe uma enorme inconsistência
de resultados e pesquisas futuras são necessárias para
esclarecer a relação entre performance de força
e potência e conteúdo glicídico da dieta, mediado,
e como, pela reposição dos estoques de glicogênio.
Burke, L. M., G. R. Collier and M. Hargreaves. Muscle glycogen storage
after prolonged exercise: effect of the glycemic index of carbohydrate
feedings. J Appl Physiol 75: 1019-1023, 1993.
Costill, DL, WM Sherman, WJ Fink, C Maresh, M Witten and JM Miller.
The role of dietary carbohydrates in muscle glycogen resynthesis
after strenuous running. American Journal of Clinical Nutrition,
Vol 34, 1831-1836, Copyright © 1981
Haff, G. Gregory, PhD, CSCS, and Adrian Whitley, MS. Low-Carbohydrate
Diets and High-Intensity Anaerobic Exercise. Strength and Conditioning
Journal. Volume 24, Number 4, pages 42–53. August 2002
Hatfield, Disa L., 1 William J. Kraemer,1,2 Jeff S. Volek,1
Martyn R. Rubin,1 Bianca Grebien,3 Ana L. Go Mez,1 Duncan N.
French,1
Timothy P. Scheett,4 Nicholas A. Ratamess,5 Matthew J. Sharman,2
Michael
R. Mcguigan,2 Robert U. Newton,2 And Keijo Ha Kkinen6. The
Effects Of Carbohydrate Loading On Repetitive Jump Squat Power
Performance
. Journal of Strength and Conditioning Research, 2006, 20(1),
167–171
Ivy JL. Muscle glycogen synthesis before and after exercise. Sports
Med. 1991 Jan;11(1):6-19.
Ivy, J. L., H. W. Goforth Jr., B. M. Damon, T. R. McCauley, E.
C. Parsons, and T. B. Price. Early postexercise muscle glycogen
recovery
is enhanced with a carbohydrate-protein supplement. J Appl Physiol,
October 1, 2002; 93(4): 1337 - 1344.
Jacobs I. High-intensity exercise performance is not impaired by
low intramuscular glycogen. Med Sci Sports Exerc. 1989 Oct;21(5):550-7.
Jentjens, R. L. P. G. , L. J. C. van Loon, C. H. Mann, A. J. M.
Wagenmakers, and A. E. Jeukendrup. Addition of protein and amino
acids to carbohydrates
does not enhance postexercise muscle glycogen synthesis. J Appl
Physiol, August 1, 2001; 91(2): 839 - 846.
LEVERITT, MICHAEL AND PETER J. ABERNETHY Effects of Carbohydrate
Restriction on Strength Performance. Journal of Strength and
Conditioning Research, 1999, 13(1), 52–57
PARKIN, JO ANN M.; CAREY, MICHAEL F.; MARTIN, IVA K.; STOJANOVSKA,
LILLIAN; FEBBRAIO, MARK A. Medicine & Science in Sports & Exercise.
29(2):220-224, February 1997.
Roetert, E. Paul. How Is Resistance Exercise Performance Affected
by Different Levels of Carbohydrate Intake? National Strength & Conditioning
Association. Volume 21, Number 1, page 47. February 1999
Tesch PA. Skeletal muscle adaptations consequent to long-term heavy
resistance exercise. Med Sci Sports Exerc. 1988 Oct;20(5 Suppl):S132-4.
Zawadzki, K. M., B. B. Yaspelkis 3rd and J. L. Ivy Carbohydrate-protein
complex increases the rate of muscle glycogen storage after
exercise. Journal of Applied Physiology, Vol 72, Issue 5 1854-1859,
Copyright © 1992
by American Physiological Society