Levantamento de Peso Básico e Lesões

Por: Denílson Costa

INTRODUÇAO

O levantamento de peso básico é a maior demonstração de “força pura” do mundo dos esportes,  realizado com os movimentos de: agachamento (squat), supino (bench press), e levantamento terra (deadlift), As cargas utilizadas em competição são de tal grandeza a não permitir a execução de mais que uma única repetição (1 RM ), o que representa 100% da capacidade dos atletas, a máxima expressão da força.
A competição inicia com 3 chances no agachamento, seguida de 3 no supino, e 3 no levantamento terra. A maior carga dessas 3 tentativas é computada e somada. Quem fizer a maior soma dos 3 exercícios em sua categoria de idade, sexo e peso, é o campeão. Tres árbitros avaliam a técnica de execução para considerar a tentativa válida ou não. Se o atleta não conseguir levantar um peso na primeira tentativa ele poderá repetir na segunda ou aumentar, mas é proibido diminuir o peso.
A primeira competição oficial ocorreu nos Estados Unidos, em 1964, onde o levantamento básico popularizou se como “POWERLIFTING”, e o primeiro campeonato mundial em 1971. Atualmente o esporte briga pelo reconhecimento olímpico, e conta com várias  federações a nível mundial  assim como o boxe.
No Brasil o esporte é promovido pela Confederação Brasileira de Levantamentos Básicos, filiada IPF (International powerlifting federation). Também possuimos represebtações de duas federações norte americanas a WABDL e a WNPF no sul do Brasil. As únicas entidades genuinamente brasileiras são a CONBRAFA do Rio de Janeiro, e a FIB de Brasília. O Brasil já fez um campeão mundial nos anos 90 pela IPF e é sede de varios campeonatos sul-americanos.
As outras federações como a FIB e a WABDL também fizeram campeões mundias brasileiros.

CARACTERÍSTICAS DO ESPORTE

O levantamento básico tem algumas semelhanças, porem várias diferenças em relação ao fisiculturismo. Ambos utilizam se de agachamentos e supinos, mas o estilo de execução dos movimentos é completamente diferente. Os fisiculturistas tentam, através de modificações no ângulo das articulações, amplitudes utilizadas, e abertura das pegadas ou das bases, conseguir o máximo de isolamento de uma musculatura, acreditando que esse isolamento seja necessário para o máximo desenvolvimento do grupamento em questão.

Os levantadores buscam o máximo de sinergismo, ou seja, suas pegadas e bases são adaptadas de forma a utilizar os grupamentos de maneira integrada, evitando o isolamento, para que nenhum músculo seja fator limitante durante as cargas máximas. Essa regra, no entanto pode ser quebrada quando o atleta intencionalmente modifica sua técnica para aumentar a participação de um grupamento mais forte e minimizar o envolvimento do mais fraco. Buscar compensações mecânicas desse tipo, ao invés de fortalecer os grupos musculares fracos pode, no entanto, dar  início a problemas.

Muitos atletas lançam mão de alguns recursos permitidos em regulamento para diminuir as amplitudes de movimento nos exercícios, à medida que, fazendo força em um percurso menor, em tese, ergue se maiores cargas.

No supino esse objetivo é atingido com um aumento da curvatura lombar e dorsal sobre o banco, formando uma ponte, já que a regra exige que apenas os glúteos, cabeça e parte superior das costas estejam em contato com o banco, e/ou, pegando a barra na máxima abertura permitida, o que também diminui o arco do movimento. No agachamento, e levantamento terra através do estilo “sumô” de execução, diminui-se as amplitudes utilizando bases extremamente abduzidas.

Os extremos de postura obviamente tendem a sair do “sinergismo” e criar sobrecargas localizadas em determinados músculos e articulações.

OS MOVIMENTOS:

Agachamento

O agachamento envolve diretamente as articulações do joelho e do quadril, mas também submete a coluna vertebral a grandes cargas de compressão, à medida que a mesma forma a trave rígida que funciona como transmissora da resistência da barra aos membros inferiores.


O ponto de apoio da barra nos agachamentos de competição é tipicamente mais baixo, sobre os deltóides posteriores. Essa técnica atende alguns objetivos:

- Maior área de contato da barra com toda a cintura escapular, diminuindo a pressão exercida pela mesma sobre as vértebras e  músculos. Isso torna possível a utilização de grandes cargas com maior estabilidade e conforto, uma vez que o apoio da barra no trapézio muitas vezes leva a cervicalgias, principalmente se não existe o cuidado de posicioná-la abaixo do nível C-7.

- Diminuição do braço de resistência para o quadríceps e conseqüentemente, maior participação do glúteo no movimento, a medida que a barra mais baixa, inclina o tronco do levantador de 10 a 15 graus para frente.

- Diminuição do braço de resistência para os eretores da coluna sob cargas máximas, a medida que grandes resistências tendem a inclinar o tronco a frente independentemente da altura em que a barra é posicionada nas costas.

A inclinação do tronco para frente poderia possivelmente diminuir a incidência das forças compressivas, mas aumenta no entanto o cisalhamento. O atleta deve agachar, segundo as regras, até que a parte superior da coxa, bem próximo ao quadril, esteja abaixo do topo dos joelhos, numa visão sagital. Isso se traduz num agachamento profundo, mas não completo. Os levantadores não chegam a sentar sobre os calcanhares como no levantamento de peso olímpico, mas estão ligeiramente abaixo do nível paralelo (pouco mais que 100 a 110 graus de flexão).

Esse posicionamento parece ser razoavelmente seguro para atletas, uma vez que:

- A compressão patelo-femoral atinge valores máximos entre 60 a 90 graus de flexão. Após esses ângulos, esses valores diminuem, ao invés de aumentarem como proposto em modelos mecânicos. Os modelos apresentados em livros de biomecânica desconsideraram que após 90 graus, o tendão do quadríceps passa a se articular com o espaço intercondiliano, o que aumenta a área total de contato, diminuindo a pressão na patela em 1/3 dos valores que ocorrem de 60 a 90 graus. Esse tipo de análise só foi possível com a introdução de uma chapa de microfilme sob a patela de cadáveres. Isso demonstra que a interpretação de estudos feitos apenas com cálculos em cima de modelos mecânicos deve ser feita com cuidados, uma vez que ela não pode detectar mecanismos intrínsecos de adaptação do sistema músculo esquelético e as sutilezas da fisiologia articular.

- Angulações parciais obrigariam o uso de cargas ainda maiores, o que causaria em 90 graus, valores de compressão patelo femural muito mais elevados. A inversão da fase excêntrica para concêntrica nessa posição, possivelmente aumentaria a solicitação do ligamento cruzado posterior e do tendão patelar, criando forte estresse de cisalhamento, uma vez que em movimentos acima do nível paralelo, existe a tendência do fêmur deslizar sobre o platô tibial, fazendo uma gaveta. As estruturas mencionadas atuam então como freios do fêmur.

- A inversão concêntrica após 110 graus cria forcas de compressão que estabilizam a articulação, anulando o efeito gaveta, uma vez que nesse ângulo existe o encaixe anatômico entre a extremidade distal do fêmur e o platô tibial. Evitando a posição completa, sentado sobre os calcanhares, o suporte da carga é mantido todo tempo sob comando dos músculos, que permanecem contraídos. Já na  posição de agachamento completa (135 graus ou mais), a carga tende a ser  brevemente transferida dos músculos às estruturas passivas. A curvatura lombar pode também brevemente retificar se, transferindo carga dos eretores às estruturas passivas, como os discos e o ligamento longitudinal posterior.

Levantamento Terra

Existem tantas variações de técnica nesse movimento, quanto atletas. As posturas adotadas refletem alem da relação de forças entre o glúteo, os ísquios, quadríceps e eretores da coluna, a proporção relativa de dominância no comprimento dos membros, como: tíbia sobre coxa ou vice-versa, membros inferiores sobre tronco ou vice versa.

 O estilo sumo diminui a magnitude das cargas nas vértebras lombares, pois no inicio do movimento, o tronco encontra se mais ereto. O levantamento terra também tem sido incluído em alguns protocolos de reabilitação da lombalgia (COHEN 2002).

Supino e os Equipamentos de Proteção

O supino utiliza ativamente a gleno-umeral e o cotovelo, envolvendo o peitoral maior, o deltóide anterior e o tríceps. A grau de contribuição do peitoral para os ganhos de supino tem sido questionado por alguns treinadores, uma vez que atualmente, equipamentos de proteção foram introduzidos no esporte. A camisa de supino (bench press shirt), por exemplo, é construída de poliéster ou jeans, e atua como um peitoral artificial. Ela é utilizada em competições e funciona oferecendo resistência à abdução horizontal do ombro que ocorre na fase excêntrica do supino, através de mangas costuradas anteriormente ao tronco, e de um ajuste de medida para vestir o levantador de forma extremamente apertada. A camisa também parece manter o úmero dentro da cavidade glenoide, aumentando a estabilização do ombro. Esse equipamento merece estudos para comprovar sua eficácia na redução da incidência de lesões, mas ganhou grande aceitação no meio por permitir a utilização de cargas maiores sem desconforto articular. Alguns atletas veteranos relatam que o advento das camisas prolongou suas carreiras, e que sem elas, a utilização de cargas máximas seria impossível.

O levantamento de peso básico também utiliza equipamentos de proteção para o Agachamento e o Levantamento terra. Macacões projetados em jeans ou poliéster, lembrando os antigos maiôs dos anos 50 são utilizados. Com uma costura extremamente apertada no quadril, eles mantem o trocanter do fêmur  sob forte compressão. Através de alças reforçadas que tracionam os ombros para baixo, auxiliam a manutenção da coluna na postura de trave rígida. A construção desses equipamentos é feita sob medida, e sempre muito apertada. É comum que os atletas necessitem de um ou dois ajudantes para vestir as camisas de supino ou os macacões.

Para os joelhos, faixas elásticas são utilizadas, podendo opcionalmente ser utilizadas nos punhos. Um cinto completa o arsenal, aumentando a pressão intra-abdominal, diminuindo a incidência de forças compressivas na coluna, e estabilizando a pelve.

LONGEVIDADE NO ESPORTE E EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO

O levantamento básico é alvo de críticas por parte de alguns atletas e dirigentes esportivos, que questionam o aumento da performance promovido pelo equipamento de proteção como sendo uma ajuda “desleal”, que feriria o espírito olímpico. A julgar pelo grande número de participantes em campeonatos de nível mundial, Másters, a evidencia é de que são esses mesmos equipamentos que permitem um aumento na vida útil do atleta.

Alguns números:

Daryl Johnson:
 273 kg de agachamento aos 70 anos de idade.

Recordes brasileiros:

Claudir Soares Lopes:
1993 – 250 kg de agachamento, 200 kg de supino. Categoria  Máster II, até 125kg.
2001 – 270 kg de agachamento, 210 kg de supino. Categoria Máster III, até 125kg.
 
Olício dos Santos Filho:
1993 – 260 kg no levantamento terra, como Máster I, até 90 kg.
2002 - 307.5 kg levantamento terra, Máster II, até 90 kg.
Recorde mundial de levantamento terra e quarto colocado no mundial de masters, 2002.

Arlindo Silva:
Agachamento 181 kg , supino 100,5 kg, levantamento terra 182,5 kg. Categoria 75kg, máster III, (categoria 75 kg).

Limites de idade na categoria Máster pela IPF:

Máster I – 40 a 49 anos.
Máster II – 50 a 59 anos
Máster III – 60 anos e acima.

É importante notar que esses atletas atingiram marcas ainda melhores quando mais velhos, demonstrando que ao contrario de outras qualidades físicas, a força pode sofrer grandes aumentos após os 40 anos, mesmo em atletas experientes, e que a modalidade quando praticada com planejamento adequado e equipamentos de proteção, oferece a possibilidade de uma vida útil longa ao atleta.

Número de participantes no campeonato mundial de Masters da IPF, Argentina, 2002:

Máster I – 76 atletas do sexo masculino, 22 do sexo feminino.
Máster II – 51 atletas do sexo masculino, 19 do sexo feminino.
Máster III – 30 atletas do sexo masculino.

TOTAL: 198 altetas.

Numero de participantes do campeonato mundial aberto, para homens, IPF, 2002:

TOTAL: 129 atletas.

ESTUDOS SOBRE LEVANTAMENTO BÁSICO

- A posição de barra baixa (sobre os deltóides posteriores) utilizada pelos atletas de levantamento básico, além de possibilitar e execução de cargas mais elevadas, provocou maior atividade elétrica do quadríceps; a despeito de causar menor isolamento que a posição clássica sobre o trapézio ( WRETENBERG 1985).

- A análise da coluna vertebral de um recordista mundial de agachamento, com a marca de 469 kg, redefiniu os limites de densidade óssea até então aceitos. A ressonância magnética e tecnologia DEXA em raios X não revelaram qualquer evidencia de herniação nos discos, ou de estenose. As forças de compressão produzidas (36.191 N.) foram duas vezes maiores que os limites máximos estabelecidos, em estudos anteriores feitos em cadáveres, acima do qual ocorreriam fraturas na coluna (18.000 N.). A densidade mineral óssea também é a mais alta registrada historicamente, comprovando a relação existente entre força o teor mineral ósseo, e enfatizando a importância da boa técnica de execução, e da capacidade de gerar níveis altos de pressão intra-abdominal para dissipar as forças que incidem sobre a coluna (DICKERMAN 2000)

- Atletas de levantamento básico não demonstraram sinais de lassitude nos joelhos após realizar agachamentos com cargas equivalentes a 1.6 vezes o peso corporal. Em comparação, atletas de basquete após 90 minutos de jogo, ou corredores após 10 km de treino, demonstram um aumento transitório na lassitude antero-posterior de 18 a 20%. Aparentemente o estresse repetitivo produz níveis significativos de lassitude ligamentar, ao passo que a utilização de poucos estímulos com cargas elevadas não o faz (STEINER 1986).

- A análise da coluna de levantadores de peso básico durante a execução do levantamento terra com cargas máximas através de filmagem com  videofluoroscopia, não registrou cisalhamento ou compressão translatória nos discos intervertebrais. O autor menciona que na verdade, cargas mais leves como utilizadas na industria, ou mesmo no dia a dia, por permitir movimentos rápidos, possibilitam hiperflexão causada por forcas inerciais, levando a distensões ligamentares (CHOLEWICKI 1992).

- Granhed et al., citado em CHOLEWICKI 1991, demonstrou uma forte correlação entre o conteúdo mineral ósseo das vértebras e a quantidade de peso levantada anualmente por levantadores de peso básico.

- O grau de degeneração das estruturas ósseas encontrado em atletas de levantamento básico  e olímpico é similar ao da população normal. Os atletas de levantamento básico apresentam sinais de degeneração ainda menor (8,3%) que no levantamento olímpico (30,7%) (FITZGERALD 1980).

- A utililização do cinto durante o treinamento previne a diminuição aguda da estatura causada pela compressão nos discos intervertebrais, aumenta o conforto e a pressão intra-abdominal (HARMAN 1989, BOURNE 1991).

Nota do site de Frederick Hatfield Phd.:

“ Dr. Fred Hatfield isn’t called “Dr. Squat” for nothing. In 1987, after 30 years of squatting, he performed a competitive squat of 1014 pounds. By his own estimate, over the previous ten years he had exceeded 800 pounds in the squat more than 1500 times. That’s roughly 500 squat workouts averaging three such monster squats per workout. When asked why he’d do such a thing to himself, he replied, “I KNEEded to!” To this day, his knees are fine”.

Fitzgerald B, McLatchie GR. Degenerative joint disease in weight-lifters. Fact or fiction? Br J Sports Med 1980 Jul;14(2-3):97-101

Dickerman RD, Pertusi R, Smith GH. The upper range of lumbar spine bone mineral density? An examination of the current world record holder in the squat lift. Int J Sports Med 2000 Oct;21(7):469-70

Harman EA, Rosenstein RM, Frykman PN, Nigro GA. Effects of a belt on intra-abdominal pressure during weight lifting. Med Sci Sports Exerc 1989 Apr;21(2):186-90

Bourne ND, Reilly T. Effect of a weightlifting belt on spinal shrinkage. Br J Sports Med 1991 Dec;25(4):209-12

Trafimow JH, Schipplein OD, Novak GJ, Andersson GB. The effects of quadriceps fatigue on the technique of lifting. Spine 1993 Mar 1;18(3):364-7

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Por: Denilson Costa – CREF 3598 – graduado em Ed Física – UNESA RJ - Brasil
Contatos:  treino77@hotmail.com


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