“Carry-over” de faixa de joelho ©.

Marilia Coutinho, Ph.D.*
Julho 2007

Artigo traduzido de: “Knee-wrap carry-over”, originalmente aqui (direitos de copyright cedidos para o Portal do Ferro)

Introdução: estudando o carry-over de equipamentos

O estudo do carry-over de equipamentos em esportes de força ou movimentos de força/potência impõe sérios problemas metodológicos. Não há praticamente nada na literatura científica em biomecânica ou de fisiologia do exercício a respeito do assunto.
No entanto, é uma preocupação central tanto para levantadores de peso como praticantes recreacionais. Os equipamentos-suporte para esportes de força e exercícios de força foram projetados para dois propósitos: historicamente, o primeiro foi proporcionar proteção contra lesões. À medida que os esportes de força evoluíram para atividades mais competitivas e comercialmente relevantes, um segundo propósito se tornou mais proeminente: a melhoria de performance proporcionada pelo equipamento sob a forma de um peso adicional que o atleta era capaz de levantar. Isto é conhecido como o “carry-over” do equipamento.
Medir o carry-over não é simples, uma vez que se trata de um peso adicional ao levantamento “puro” (“raw”, sem equipamento), e o equipamento altera o movimento em si de maneira substancial. Idealmente, o carry-over do equipamento deveria ser a carga de 1RM executada com o equipamento, menos a carga de 1RM “puro” (sem equipamento). No entanto, um número de variáveis pode alterar um ou ambos os valores para o mesmo levantador, no mesmo período: se o levantamento é feito numa competição ou em condições de laboratório (ou na academia); há quanto tempo o levantador tem familiaridade e desenvolveu técnica adequada para o uso do equipamento; ou há quanto tempo o levantador usou o equipamento testado em particular (uma camisa de supino ou faixa de joelho novas respondem diferentemente ao mesmo esforço máximo).
Tentativas indiretas de medir o efeito de equipamento foram feitas antes. Zink et al (2001) estudaram os efeitos do cinto comum sobre a atividade muscular e cinemática das juntas no tronco e pernas durante o agachamento. Eles observaram que o emprego de um cinto não mudava a atividade mio-elétrica durante o movimento, mas alterava sua velocidade e o caminho da barra. Conseqüentemente, atividade mio-elétrica não é um bom indicador do efeito do equipamento sobre o levantamento, uma vez que o cinto obviamente proporcionou uma vantagem substancial (alterações “significativas” na velocidade do movimento e caminho da barra indicam, ambos, que o movimento foi facilitado e, intuitivamente, um carry-over desconhecido proporcionado).
Só nos resta, portanto, informação anedótica dos levantadores, cada um adotando sua própria medida subjetiva. Esse artigo é baseado em algumas considerações sobre questões críticas relacionadas ao movimento do agachamento, alguma informação técnica a respeito da própria faixa de material elástico (a “faixa de joelho”), minhas próprias medidas com faixas que usei e comentários recebidos de outros levantadores.

O Agachamento

O agachamento é um levantamento competitivo no esporte do Powerlifting (ou Levantamento Básico) ou um exercício tradicional de treinamento de força. Como um levantamento, o agachamento tem pequenas variações de acordo com o livro de regras de cada federação. Em termos gerais, consiste de uma flexão combinada das articulações do joelho e quadril, com uma barra carregada sobre os trapézios do levantador. As flexões que levam a barra para baixo vão até uma posição em que as articulações do joelho e quadril estejam paralelas, ou onde a articulação do quadril tenha “quebrado” a linha paralela, numa flexão de joelho menor que 90º. O movimento ascendente então começa, com extensão do joelho e quadril até que o levantador tenha voltado à posição ereta novamente, com joelhos travados. Como um exercício, o agachamento tem muitas variações, usando aparatos para movimento linear guiado, como o “Smith” e outros recursos que basicamente mudam o centro de gravidade do sistema “barra-levantador” (tradicionalmente, vertical sobre os pés do levantador). Estas variações permitem que se jogue com as forças articulares operando nos movimentos de flexão-extensão de um modo que o “agachamento-levantamento” não permite (Abelbeck 2002).
O agachamento-levantamento gera forças importantes nas articulações do joelho e quadril que podem ser suavizadas ou modificadas com os aparelhos para exercícios.
Finalmente, o agachamento é considerado um dos exercícios mais completos e importantes porque o recrutamento durante o movimento envolve um grande número de grupos musculares. Durante muitos anos, no entanto, tem havido alguma preocupação com as grandes forças impostas às articulações do joelho e quadris durante o agachamento profundo.
As principais forças implicadas no movimento do agachamento são as forças de tensão do ligamento posterior cruzado (PCL), do ligamento anterior cruzado (ACL), as forças compressivas tibio-femural (TF) e patelo-femural (PF). Todas estas forças crescem com o aumento da flexão do joelho (Escamilla et all 2001), e crescem mais ainda sob resistência externa (Wallace et al 2002). Particularmente, TF e PF tendem a assumir maiores valores com o aumento da flexão dos joelhos (Escamilla 2001).
A abertura das pernas no agachamento também altera as forças operando no corpo do levantador. Uma abertura mais ampla tende a aumentar o movimento tanto nas articulações do quadril como do joelho, agravando assim o aumento da PF/TF (Escamilla et al 2001b).
Um dos estudos mais interessantes no que diz respeito ao foco deste artigo é a análise biomecânica do torque tibial e ângulo de flexão dos joelhos por Senter e Hame (Senter & Hame 2006). De acordo com os autores, existem muitas lesões de joelho nos esportes em geral associadas com a hiper-flexão da articulação do joelho. Em tais ângulos, PCL e menisco são geralmente comprometidos. Joelhos com deficiência no PCL exibem maior rotação tibial externa, o que também prejudica a integridade da articulação. Os autores concluem que seria recomendável buscar a redução de forças sobre PCL, ACL e meniscos através de equipamento protetor adequado, treinamento apropriado e superfícies seguras.

A faixa de joelho

A faixa de joelho é um destes equipamentos protetores. Ela consiste de uma longa banda elástica (2m ou mais) que é enrolada de uma forma apertada em volta dos joelhos do levantador, alguns centímetros abaixo e acima da patela. Quando o joelho é flexionado sob uma resistência externa (a barra carregada), o material elástico é ainda mais esticado, de modo a atingir, se possível, seu ponto de maior expansão na posição mais baixa do agachamento. A energia potencial assim acumulada no material esticado é então transferida de volta ao levantador como energia cinética, acrescentando à força do movimento concêntrico durante a extensão do joelho.
Uma vez que a maior parte do stress do agachamento profundo é na articulação do joelho, e não na do quadril, a faixa de joelho permite ao levantador superar o fator limitante do levantamento e empregar a potência dos glúteos e quadríceps para executar o movimento completo.

Medindo carry-over de faixa de joelho

Um agachamento sem equipamento prossegue inalterado na forma, com cargas crescentes, até um certo ponto onde as forças operando na articulação do joelho restringem o ângulo de flexão. Não seria apropriado comparar a carga neste ponto com a de um 1RM de levantamento competitivo, onde, na maioria das federações, o ângulo de 90º na flexão deve ser quebrado. A comparação deve ser feita, então, com a carga máxima executável quando o levantamento pode ser feito com a forma perfeita em condições sem equipamento.
Até onde eu sei, ninguém publicou uma comparação deste tipo e eu não tive acesso a medidas quantitativamente precisas de estudo de caso. Portanto, este é apenas meu “auto-experimento”.
O ponto do meu “agachamento-profundo-de-forma-perfeita-sem-equipamento” corresponde a uma carga de 95kg (várias repetições foram feitas acima de 100kg, mas todas se tornaram “paralelas”, o que pode ser uma reação instintiva de proteção).
O 1RM com equipamento “sob condições experimentais” (a academia) corresponde a uma carga de 138kg, o que dá um carry-over de 45,3%. O 1RM previsto “sob condições de competição” corresponde a uma carga de 145kg, o que daria um carry-over de 52,6%. Todos os levantamentos foram executados com uma faixa Blue Power da APT ProWristStraps . O carry-over obtido com outras marcas de faixa, e mesmo com faixas da APT que não a Blue Power, foi diferente destes valores. Evidência anedótica sugere que estas são preferências extremamente individuais.

Conclusões

Apesar de não terem sido feitos experimentos controlados quanto ao carry-over de faixas de joelho e seu efeito protetor sobre a articulação do joelho, a experiência dos levantadores mostra que se trata de um dos equipamentos que mais proporciona incremento de performance e proteção. Informação biomecânica indireta sobre o agachamento pode indicar o motivo deste efeito observado.

Referências bibliográficas:

Abelbeck K.G. (2002). “Biomechanical Model and Evaluation of a Linear Motion Squat Type Exercise”. Journal of Strength and Conditioning Research, 16(4), 516–524.
Escamilla R.F., Fleisig G.S., Lowry T.M., Barrentine S.W., Andrews J.R. (2001b). “A three-dimensional biomechanical analysis of the squat during varying stance widths”. Medicine & Science in Sports & Exercise, 33(6):984-98.
Escamilla R.F., Fleisig G.S., Zheng N., Lander J.E., Barrentine S.W., Andrews J.R., Bergemann B.W., Moorman C.T. (2001). “Effects of technique variations on knee biomechanics during the squat and leg press”. Medicine & Science in Sports & Exercise, 33(9):1552-66.
Escamilla RF (2001). “Knee biomechanics of the dynamic squat exercise”. Medicine & Science in Sports & Exercise, 33(1):127-41.
Senter C., Hame S.L. (2006). “Biomechanical analysis of tibial torque and knee flexion angle: implications for understanding knee injury”. Sports Medicine, 36(8):635-41.
Wallace D.A., Salem G.J., Salinas R., Powers C.M. (2002). “Patellofemoral joint kinetics while squatting with and without an external load”. Journal of Orthopaedic & Sports Physical Therapy, 32(4):141-8.
Zink A.J., Whiting W.C., Vincent W.J., and Mclaine A.J. (2001). “The Effects of a Weight Belt on Trunk and Leg Muscle Activity and Joint Kinematics During the Squat Exercise”. Journal of Strength and Conditioning Research, 5(2), 235–240.

* Marilia Coutinho é uma atleta (powerlifting, categoria até 56kg) patrocinada da APTProWristStraps.

 

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